O
título deste livro em português (“Deuteronômio”) é um tanto
enganoso. Seu significado literal é “segunda lei”, o que tem
gerado duas ideias opostas e ao mesmo tempo errôneas: 1. O livro se
trata de uma repetição da lei (SANTOS, 2016, p.1); 2. O livro traz
uma nova lei, em relação ao que foi dada no Sinai (CRAIGIE, 2013,
p.17).
No
entanto, o título hebraico deste livro é bem mais apropriado, pois
consiste nas primeiras palavras do livro “Estas são as palavras”
(Dt 1.1). De fato este título descreve melhor o conteúdo do livro,
pois, “a maior parte do livro consiste das palavras que Moisés
dirigiu a Israel imediatamente antes da entrada na terra prometida”
(CRAIGIE, 2013, p.17).
O
estilo do livro de Deuteronômio é homilético, com um forte tom
exortativo, visando levar a congregação de Israel ao compromisso e
obediência ao Senhor por meio da aliança. Deuteronômio, como um
texto pactual, segue os padrões dos tratados formais de sua época,
como o tratado hitita, mas esta literatura vai além de um mero texto
pactual, pois inclui discurso de despedida de Moisés, itinerários,
narrativas, exortações, hinos etc,
Deuteronômio tem um gênero bem variado (SANTOS, 2016, P.8).
É imprescindível lembrar que, a semelhança dos tratados
vassalo-suserano da época, a aliança com o Senhor já havia sido
realizada por uma antiga geração, no Sinai, e agora estava sendo
reafirmada pela nova geração.
A
aliança no Sinai fora feita entre o Senhor e uma nação libertada
da escravidão do Egito e prestes a atravessar o deserto rumo a
terra prometida, jornada esta que poderia ter durado algumas semanas,
entretanto durou trinta e oito anos devido a desobediência e falta
de confiança do povo da aliança. Apesar de todo o Israel ter anuído
à aliança com o Senhor, durante todo o percurso, desde o Sinai até
as planícies de Moabe, demonstraram falta de compromisso e lealdade.
Por outro lado, Deus sempre se manteve fiel à aliança com seu povo
e demonstrou misericórdia e bondade por amor aos patriarcas e aos
remanescentes fiéis. Por toda a jornada pelo deserto, o Senhor os
conduziu em segurança, suprindo cada uma de suas necessidades.
Agora,
o povo da aliança estava nas Planícies de Moabe, prestes a
atravessar o Jordão e conquistar os cananeus (que estavam
amedrontados) para tomar posse da Terra prometida a seus pais. Os
israelitas adultos desta época não faziam parte da geração
passada que fizera aliança com o Senhor, por isto a necessidade de
renovação da aliança. Outra razão para esta necessidade se deu
pelo fato de que os judeus passariam a ter um modo de vida
radicalmente diferente do que tivera anteriormente durante a
peregrinação, estariam vivendo de forma fixa em um ambiente que
brevemente se tornaria urbano. Tudo isto evidencia a necessidade de
novas instruções e da renovação da aliança. Esta nova geração
precisava conhecer suas origens e compreender cada termo da aliança
para igualmente anuir ao pacto com o Senhor (MERRIL, 2009,
pp.378-379).
A
renovação era especialmente necessária porque Moisés, o mediador
da aliança, estava prestes a morrer, por isto, além da renovação,
fez-se necessário um registro escrito dos termos da aliança – o
pentateuco, especialmente o livro de Deuteronômio. A pessoa de
Moisés era intimamente ligada à aliança, como supõe Craigie “para
muitas pessoas, a pessoa de Moisés e a aliança devem ter parecido
inseparáveis” (2013, p.29). A renovação da aliança indica que o
líder, de fato, da nação é Deus, não Moisés. Em seus últimos
momentos, Moisés exorta o povo à sinceridade, obediência e
lealdade a Deus e ao Seu novo co-regente Josué,
pois disto dependia a vitória sobre os inimigos e a permanência na
terra prometida.
A
chamada aliança Mosaica, é do gênero suserano-vassalo, e como diz
Santos, “uma aliança feita entre um Grande Rei e um povo vassalo
deve ser renovada por seus sucessores com o passar das gerações”
(2016, p.6). Nas palavras de Craigie, a aliança entre Deus e seu
povo
era
a constituição da teocracia. Deus era rei e havia,
para si mesmo, resgatado seu povo
do Egito. O povo, que tudo devia a Deus, teria de se submeter a ele
em uma aliança de amor [...] Enquanto os outros pequenos Estados
políticos serviam como vassalos do Egito ou do Império hitita, os
israelitas deviam lealdade somente ao seu suserano Deus (2013,
p.19,23).
CRAIGIE,
Peter C. Deuteronômio. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
MERRILL,
Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd,
2009.
SANTOS,
Pedro E. C. Exegese em Deuteronômio. Natal: SIBB, 2016
“Material não publicado”